Os planejamentos patrimoniais e sucessórios exigem atenção especializada multidisciplinar, sob pena de, ao invés de prevenir litígios, provocar longas disputas judiciais entre os herdeiros e com os órgãos fiscais
Muito vem se falando na mídia a respeito da crescente onda de autuações de contribuintes pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) em relação a contratos de compra e venda de participação societária em empresas. De acordo com a tese elaborada pela autoridade fiscal na chamada ‘Operação Loki’, ao serem realizados os contratos de compra e venda por valor abaixo do “valor de mercado”, as transações configuram-se doações – e, sobre elas, incide o imposto sobre doações e heranças no Estado de São Paulo, o ITCMD.
O tema é delicado e a atuação do Judiciário será decisiva, como já vem se posicionando firmemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no sentido de fazer prevalecer a vontade das partes nos contratos, o que inclui a fixação do preço da compra das quotas sociais.
Contudo, deixa de ganhar atenção popular assunto correlato de alta importância, que também é alvo prioritário na Operação Loki: a compra e venda de participações societárias de empresas e holdings familiares entre pais e filhos, mais precisamente aquelas em que o valor pactuado é: (a) menor do que o valor patrimonial (patrimônio líquido) da sociedade; (b) muito menor do que o valor de mercado da sociedade; ou (c) meramente simbólico ou até inócuo, nas ocasiões em que não fica comprovada a transferência do dinheiro – situações nas quais a Sefaz-SP entende haver “simulação do negócio jurídico”, isto é, apesar da roupagem de “compra e venda”, a transação seria, na verdade, uma doação.
A matéria é ponto de atenção nos milhares de planejamentos patrimoniais e sucessórios em andamento país afora, em especial com o ágil andamento da regulamentação da reforma tributária, que, embora tenha focado nos impostos referentes a bens e serviços, trouxe significativos impactos às alíquotas do ITCMD, que passarão a valer tão logo as respectivas leis estaduais sejam a ela adequadas.
A compra e venda de bens entre pais e filhos não é transação proibida – logo, é permitida – por lei, muito embora a Sefaz-SP tenha feito questão de demonizá-la nas manifestações públicas referentes à Operação Loki. No entanto, o Código Civil reconhece a delicadeza da relação contratual, mas não do ponto de vista fiscal – do ponto de vista sucessório e familiar, caracterizando como anulável a venda de pais a filhos sem o consentimento expresso dos outros filhos e, exceto em regime de separação de bens, também o do cônjuge (artigo 496).
Nesse sentido, é muito comum vermos planejamentos sucessórios sendo feitos com o exclusivo – ou ao menos prioritário – foco de evitar ao máximo o pagamento de impostos, que resultam, muitas das vezes, em vendas de bens dos pais a determinados filhos, em contrato privado, por quantia muito inferior ao real valor. Por mais que a transação possa passar sob o radar da Sefaz-SP, a falta da assinatura dos demais descendentes e do cônjuge concordando com a venda faz dela uma transação frágil, pois poderá ser anulada por qualquer destes.
O mesmo vale para manobras mais sofisticadas, como aquela em que o ascendente empresta uma soma de dinheiro ao descendente, que é usada por este para adquirir um imóvel, e, após, o ascendente vai perdoando a dívida gradualmente ao longo dos anos, notadamente em valor inferior ao teto de isenção do ITCMD para doações no Estado de São Paulo, hoje no valor de R$ 88.400,00, por exemplo; e aquela em que o ascendente, sócio majoritário e administrador da empresa em que está integralizado o patrimônio da família, se vale da ínfima participação societária do descendente “favorecido” para, de forma desproporcional às participações societárias, transferir valores significativos a tal descendente ao longo dos anos a título de distribuição de lucros -operação, hoje, isenta de tributos.
É possível – mas a cada dia menos provável – que operações como esta não sejam detectadas pelos fiscais da Sefaz-SP e de seu sistema, hoje integrado à base de dados da Receita Federal e das Juntas Comerciais. Se esquecem, todavia, que é uma simulação: se o filho acabou não gastando nem um real pelo imóvel, foi uma doação; se gastou pouco, foi uma venda sem consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do(a) vendedor(a). De qualquer forma, a transação pode ter causado impacto na sucessão do patrimônio ao, por exemplo, prejudicar a parte legítima dos outros herdeiros e estará sujeita a anulação.
Fator igualmente relevante na equação é a contínua modernização dos sistemas e instrumentos das autoridades fiscais: automatizações, poderosos processadores de dados e até inteligência artificial estão facilitando os procedimentos de fiscalização, reduzindo o tempo de trabalho humano e aumentando a eficiência e eficácia do processo de identificação de manobras de evasão e planejamentos fraudulentos.
À medida que a criatividade vai sendo aprimorada, fica mais visível a inescapável realidade: os planejamentos patrimoniais e sucessórios exigem atenção especializada multidisciplinar, simultaneamente e em sintonia, sendo as principais as áreas de família e sucessões, tributário e societário, sob pena de, ao invés de prevenir litígios, provocar longas disputas judiciais entre os herdeiros e com os órgãos fiscais.
Fonte: Valor Econômico, autores: Muito vem se falando na mídia a respeito da crescente onda de autuações de contribuintes pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) em relação a contratos de compra e venda de participação societária em empresas. De acordo com a tese elaborada pela autoridade fiscal na chamada ‘Operação Loki’, ao serem realizados os contratos de compra e venda por valor abaixo do “valor de mercado”, as transações configuram-se doações – e, sobre elas, incide o imposto sobre doações e heranças no Estado de São Paulo, o ITCMD.
O tema é delicado e a atuação do Judiciário será decisiva, como já vem se posicionando firmemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no sentido de fazer prevalecer a vontade das partes nos contratos, o que inclui a fixação do preço da compra das quotas sociais.
Contudo, deixa de ganhar atenção popular assunto correlato de alta importância, que também é alvo prioritário na Operação Loki: a compra e venda de participações societárias de empresas e holdings familiares entre pais e filhos, mais precisamente aquelas em que o valor pactuado é: (a) menor do que o valor patrimonial (patrimônio líquido) da sociedade; (b) muito menor do que o valor de mercado da sociedade; ou (c) meramente simbólico ou até inócuo, nas ocasiões em que não fica comprovada a transferência do dinheiro – situações nas quais a Sefaz-SP entende haver “simulação do negócio jurídico”, isto é, apesar da roupagem de “compra e venda”, a transação seria, na verdade, uma doação.
A matéria é ponto de atenção nos milhares de planejamentos patrimoniais e sucessórios em andamento país afora, em especial com o ágil andamento da regulamentação da reforma tributária, que, embora tenha focado nos impostos referentes a bens e serviços, trouxe significativos impactos às alíquotas do ITCMD, que passarão a valer tão logo as respectivas leis estaduais sejam a ela adequadas.
A compra e venda de bens entre pais e filhos não é transação proibida – logo, é permitida – por lei, muito embora a Sefaz-SP tenha feito questão de demonizá-la nas manifestações públicas referentes à Operação Loki. No entanto, o Código Civil reconhece a delicadeza da relação contratual, mas não do ponto de vista fiscal – do ponto de vista sucessório e familiar, caracterizando como anulável a venda de pais a filhos sem o consentimento expresso dos outros filhos e, exceto em regime de separação de bens, também o do cônjuge (artigo 496).
Nesse sentido, é muito comum vermos planejamentos sucessórios sendo feitos com o exclusivo – ou ao menos prioritário – foco de evitar ao máximo o pagamento de impostos, que resultam, muitas das vezes, em vendas de bens dos pais a determinados filhos, em contrato privado, por quantia muito inferior ao real valor. Por mais que a transação possa passar sob o radar da Sefaz-SP, a falta da assinatura dos demais descendentes e do cônjuge concordando com a venda faz dela uma transação frágil, pois poderá ser anulada por qualquer destes.
O mesmo vale para manobras mais sofisticadas, como aquela em que o ascendente empresta uma soma de dinheiro ao descendente, que é usada por este para adquirir um imóvel, e, após, o ascendente vai perdoando a dívida gradualmente ao longo dos anos, notadamente em valor inferior ao teto de isenção do ITCMD para doações no Estado de São Paulo, hoje no valor de R$ 88.400,00, por exemplo; e aquela em que o ascendente, sócio majoritário e administrador da empresa em que está integralizado o patrimônio da família, se vale da ínfima participação societária do descendente “favorecido” para, de forma desproporcional às participações societárias, transferir valores significativos a tal descendente ao longo dos anos a título de distribuição de lucros -operação, hoje, isenta de tributos.
É possível – mas a cada dia menos provável – que operações como esta não sejam detectadas pelos fiscais da Sefaz-SP e de seu sistema, hoje integrado à base de dados da Receita Federal e das Juntas Comerciais. Se esquecem, todavia, que é uma simulação: se o filho acabou não gastando nem um real pelo imóvel, foi uma doação; se gastou pouco, foi uma venda sem consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do(a) vendedor(a). De qualquer forma, a transação pode ter causado impacto na sucessão do patrimônio ao, por exemplo, prejudicar a parte legítima dos outros herdeiros e estará sujeita a anulação.
Fator igualmente relevante na equação é a contínua modernização dos sistemas e instrumentos das autoridades fiscais: automatizações, poderosos processadores de dados e até inteligência artificial estão facilitando os procedimentos de fiscalização, reduzindo o tempo de trabalho humano e aumentando a eficiência e eficácia do processo de identificação de manobras de evasão e planejamentos fraudulentos.
À medida que a criatividade vai sendo aprimorada, fica mais visível a inescapável realidade: os planejamentos patrimoniais e sucessórios exigem atenção especializada multidisciplinar, simultaneamente e em sintonia, sendo as principais as áreas de família e sucessões, tributário e societário, sob pena de, ao invés de prevenir litígios, provocar longas disputas judiciais entre os herdeiros e com os órgãos fiscais.
Fonte: Valor Econômico. Autores: Luis Eduardo Tavares dos Santos e Marco Bassit Mello Cunha